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TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL BECKIANA

Aaron Beck (1921-2021) é conhecido como um dos pais da Terapia Cognitiva e da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

Beck (1964) desenvolveu a Terapia Cognitiva para o tratamento da depressão como um método estruturado, de curto prazo, orientado para o presente e dirigido para a resolução de problemas atuais, por meio da modificação do pensamento e do comportamento disfuncional, ou seja, uma abordagem ativa, diretiva e estruturada. Para Beck et al. (2006), as pessoas deprimidas apresentam distorções no processamento de informações, que resultam em uma visão negativa persistente de si mesma, do futuro e do mundo, motivadoras dos sintomas comportamentais afetivos da depressão. O modelo cognitivo de transtornos emocionais de Beck afirma que, para entender a natureza de uma perturbação emocional, deve-se focar no conteúdo cognitivo da reação do indivíduo ao evento ou da linha de pensamento perturbadora.

Pessoas sadias cognitivamente tendem a ser possuidoras de crenças adaptativas, tendo desenvolvido crenças flexíveis, sendo elas úteis, baseadas na realidade sobre si mesmas, sobre seu mundo, sobre as outras pessoas e sobre o futuro. Estas pessoas, provavelmente, se veem como eficientes, valorosas e agradáveis; teriam, também, visões de um futuro realista composto por previsibilidade e imprevisibilidade, segurança e perigo, experiências boas, neutras e negativas, porém, está presente em seus pensamentos a crença de conseguirem lidar, enfrentar e resolver estas situações. Já as pessoas não possuidoras destas crenças adaptativas e que passam a reforçar as suas crenças negativas a partir de suas más interpretações, podem desenvolver um transtorno que requererá um tratamento, caso não consigam, por si só, reverter essas interpretações para as crenças adaptativas. (BECK, 2022)

Quando passamos por qualquer situação, temos pensamentos sobre ela, chamados de Pensamentos Automáticos. São pensamentos involuntários, rápidos, muitas vezes, não percebidos e que nos levam a determinadas reações. As pessoas com dificuldades psicológicas, frequentemente, não veem as situações com clareza, o que as levam a ter pensamentos automáticos disfuncionais e, consequentemente, reações disfuncionais. Este processo pode causar sofrimento emocional, comportamentos que mantêm ou pioram o problema e prejuízos em uma ou várias áreas da vida. A TCC busca identificar os Pensamentos que causam as Emoções, os Comportamentos e as Respostas Fisiológicas. Quando não se tem o costume de identificar os pensamentos, muitas vezes podemos confundi-los com as emoções e vice-versa. Normalmente, quando percebemos que algo está acontecendo, percebemos mudanças em nosso humor, em nosso corpo (reações fisiológicas) e comportamento. Na TCC, o terapeuta busca auxiliar e ensinar o paciente a identificar seus pensamentos antes das reações. Aprender a fazer uma boa autoavaliação destes pensamentos, ajudará o paciente a responder de maneira mais funcional e, assim, ter reações mais funcionais e saudáveis. Um objetivo comum da TCC é que o cliente aprenda a lidar com suas dificuldades e pensamentos disfuncionais fora do ambiente terapêutico, para vir a se tornar o seu próprio terapeuta. (FALCO, 2020)

A TCC apresenta uma proposta terapêutica breve (12 a 20 sessões estruturadas), prática, com objetivos claros a serem atingidos, cujo papel, tanto do paciente, quanto do terapeuta, é ativo na realização das tarefas e pode ser aplicada tanto na modalidade individual quanto em grupo. Segundo a TCC, as cognições baseiam-se em atitudes ou suposições (crenças) desenvolvidas a partir de experiências prévias, em geral na infância, na medida em que a criança interage com outras pessoas de convivência significativa. A adoção do modelo cognitivo possibilita a muitos pacientes a compreensão de suas reações emocionais, até então estranhas ou inexplicáveis, simplesmente, por adotarem um conjunto de princípios organizadores, ou uma visão coerente do mundo, que trazem um sentido de controle, esperança e conforto por enxergarem uma luz no fim do túnel. (FREITAS e RECH, 2010)

Segundo Beck et al. (1997), a estratégia global da terapia cognitiva se diferencia das demais escolas terapêuticas por sua ênfase na investigação empírica dos pensamentos, inferências, conclusões e pressuposições automáticas do paciente. O modelo cognitivo postula três conceitos específicos para explicar o substrato psicológico da depressão: a tríade cognitiva, esquemas, e erros cognitivos. A Tríade Cognitiva consiste em três padrões cognitivos principais, que influenciam o paciente a encarar a si mesmos, suas experiências e seu futuro de uma forma incomum e/ou imprópria (indiossincrática, com tendenciosidade negativa sistemática).

O primeiro padrão cognitivo refere-se à visão negativista que a pessoa deprimida tem de si mesmo. Ela se percebe como defeituosa, inadequada, doente ou carente, passando a acreditar ser indesejável e sem valor. Diante de experiências desfavoráveis, tende a atribuir a si defeitos psicológicos, morais ou físicos e subestimar ou criticar a si mesmo por tais defeitos. Acredita não ter os atributos que considera essenciais à obtenção da felicidade e do contentamento. O Segundo padrão cognitivo consiste na tendência de interpretar suas experiências correntes de uma forma negativista. Percebe o mundo como se colocasse obstáculos insuperáveis ao atingimento de seus objetivos de vida. Traduz de modo negativista as suas interações com o meio, animado ou inanimado, demonstrando sentimentos de derrota ou privação. E o terceiro padrão cognitivo consiste numa visão negativista do futuro. Ao fazer projeções a longo prazo, prevê que suas dificuldades, sofrimentos, frustrações, privações incessantes e resultados negativos atuais continuarão fazendo parte de seu futuro, deixando de se comprometer com o objetivo ou tarefa específica. (BECK et al.,1997)

Segundo a autora Judith Beck (2022), as “Crenças nucleares negativas sobre si mesmo”, se apresentam em três categorias, sendo elas: A crença de “Desamparo”, refere-se à ideia constante de ineficiência e de incapacidade para fazer as coisas, de auto proteger-se (emocionalmente e fisicamente) e ao equiparar-se aos outros; a crença de “Desamor”, refere-se à incapacidade de receber amor e manter intimidade com outras pessoas, como resultado de qualidades negativas e falta de habilidades que percebem em si mesmos; e, a crença de “Desvalor”, que refere-se a perceber-se e significar-se como “pecador imoral ou perigoso para os outros”. É possível que indivíduos cheguem a ter crenças nucleares negativas sobre si mesmo nas três categorias, ou mais de uma em determinada categoria.

Diante deste modelo de padrões cognitivos negativistas, se o paciente, erroneamente, pensa estar sendo rejeitado, reagirá com o mesmo efeito negativo (Ex., tristeza, raiva) que ocorre diante da rejeição real. As consequências das cognições negativas são observadas nos “sintomas motivacionais”, ou seja, a paralisia da vontade resulta do pessimismo e desamparo do paciente. Consequentemente, por perceber-se como inepto e desamparado, superestimar as dificuldades de tarefas normais e esperar fracassar em suas incumbências, tende a buscar ajuda e segurança nos outros, a quem considera mais competentes e capazes, reforçando o modelo cognitivo da “crescente dependência”. Esta apatia e a baixa energia podem resultar da crença de estar condenado ao fracasso em todos os seus esforços. Uma visão negativista do futuro (um sentimento de inutilidade) pode levar a “inibições psicomotoras”. A pessoa deprimida se vê como uma carga sem valor, ao ponto de acreditar que todos, inclusive ela própria, se sentirão melhor quando ela estiver morta. Os desejos suicidas podem ser a expressão extrema do desejo de escapar de situações, aparentemente, insolúveis ou intoleráveis. (BECK et al., 1997)

Quanto ao segundo conceito do modelo cognitivo da depressão, refere-se a um ingrediente fundamental, ou seja, os esquemas. Nas depressões mais brandas, o paciente, geralmente, é capaz de perceber seus pensamentos negativos com alguma objetividade, porém, à medida em que a depressão se agrava, seu pensamento fica progressivamente mais dominado por ideias negativas, mesmo sem nenhuma ligação lógica entre as situações reais e suas interpretações negativistas. Na medida em que os esquemas idiossincráticos preponderantes conduzem a distorções da realidade e a erros sistemáticos no pensamento, o paciente torna-se menos capaz de cogitar que suas interpretações estão erradas. Nos estados mais agudos de depressão, o pensamento pode ficar completamente dominado pelo esquema idiossincrático, e a organização cognitiva depressiva pode tornar-se tão independente de estimulação externa, que o indivíduo não mais responde a mudanças em seu meio imediato, inferindo que a organização cognitiva idiossincrática se tornou autônoma. Isto faz com que o paciente perca muito de seu controle voluntário sobre seus processos de pensamento e se torne incapaz de invocar outros esquemas mais adaptativos. (BECK et al., 1997)

Por fim, o terceiro conceito do modelo cognitivo da depressão, os erros cognitivos (processamento defeituoso da informação), observa que os erros sistemáticos no pensamento da pessoa deprimida, preservam a crença na validade de seus conceitos negativistas, diante da presença de evidência contraditória. No pensamento “primitivo” (rótulo que se dá a fim de distingui-lo do pensamento mais adaptativo), a complexidade, variabilidade e diversidade das experiências e dos comportamentos humanos ficam reduzidos a umas poucas categorias simplistas. O paciente depressivo caracteriza e encara as suas experiências, privações ou fracassos totais (não-dimensional) de forma absolutista, invariável e irreversível (fixas). Diante deste quadro, ele se categoriza como um “perdedor” – categórico, arbitrário e como condenado – déficits irreversíveis de carácter. (BECK et al., 1997)

A investigação do conteúdo das cognições dos pacientes deprimidos fez com que Beck criasse uma tipologia das distorções cognitivas, como: Interferência Arbitrária – tirar conclusões sem evidências reais; Abstração Seletiva – fixação em um detalhe do contexto global sem considerar outros fatores em que, geralmente, esse detalhe possui conotação negativa; Supergeneralização – estabelecimento de regras e de conclusões gerais baseadas em um ou mais incidentes isolados e na aplicação do conceito indiscriminadamente em situações relacionadas; e a Maximização e Minimização – dificuldade em avaliar o significado e a magnitude do evento. A pessoa tende a desvalorizar um mérito próprio e a valorizar outras pessoas e situações em detrimento a ela. (BECK et al., 1997)

Considerações

A TCC beckiana apresenta bons resultados a partir de um método estruturado, de curto prazo, orientado para o presente e dirigido para a resolução de problemas atuais, por meio da modificação do pensamento e do comportamento disfuncional. O objetivo desta terapia é transformar pensamentos negativistas em pensamentos mais adequados, para produzir as esperadas mudanças nos comportamentos disfuncionais. A TCC prepara o paciente para assumir a responsabilidade por identificar problemas, gerar soluções e implementá-las, enquanto o terapeuta vai assumindo cada vez mais o papel de orientador ou consultor. O paciente é capacitado para perceber suas recaídas e se tornar cada vez mais independente da figura do terapeuta, para aprender a lidar com suas dificuldades e pensamentos disfuncionais fora do ambiente terapêutico, para vir a se tornar o seu próprio terapeuta.

Como visto, o TDM é um transtorno silencioso, responsável por grandes desdobramentos e prejuízos tanto financeiros, como na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo, dada a sua natureza crônica, alta morbidade e mortalidade, e que a TCC, baseada em evidências, se apresenta como uma excelente psicoterapia para a intervenção clínica deste transtorno.

Autores: ALMEIDA NETO, Anardino Cândido de; FERREIRA, Lucas de Souza.

REFERÊNCIAS

BECK, Aaron T.; DE RUBEIS, J; TANG, T. Manual de terapias cognitivo-comportamentais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 

______; Rush, A. John; Shaw, Brian F.; Emery, Gary. Terapia Cognitiva da Depressão. Tradução: RIBEIRO, V. 1.ed. Rio de Janeiro: Zahar. 1997.

______. Thinking and depression: II Theory and therapy. Archives of General Psychiatry. Belmont: JAMA & Archives, v.10, n.6, p.561-571, 1964.

BECK, Judith S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Tradução: Sandra Maria Mallmann da Rosa. 3.ed. – Porto Alegre: Artmed, 2022.

FALCO, Diego. A terapia Cognitiva Comportamental em detalhes. 07 Out. de 2020. E-book. Disponível em < https://www.passeidireto.com/arquivo/64034321/a-terapia-cognitiva-comportamental-em-detalhes> Acesso em: 28 de Jan. de 2023.

FREITAS, Partinobre Brito; RECH, Terezinha. O uso da terapia cognitivo-comportamental no tratamento do transtorno depressivo: uma abordagem em grupo. Univ. de Santa Cruz do Sul – UNISC. Barbarói (32):98-113jan.-jul. 2010. Disponível em <http://www.bvs-psi.org.br/metaiah/search.php >. Acesso em: 19 de Out. de 2021. http://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/viewFile/1285/1084.

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